quarta-feira, 31 de julho de 2013

Direito adquirido da educação Bilíngue para a criança surda

pt.scribid.com/doc/156721744/O-Direito-Da-Criança-Surda-Crescer-Bilingue
Direito da Criança Surda de Crescer Bilíngüe
François Grosjean Universidade de Neuchâtel – Suíça
Toda criança Surda, qualquer que seja o nível da sua perda auditiva, deve ter o direito de crescer bilíngüe. Conhecendo e usando a língua de sinais e a língua oral (na sua modalidade escrita e, quando for possível, na sua modalidade falada) a criança alcançará um completo desenvolvimento das suas capacidades cognitivas, lingüísticas e sociais.
O que a criança Surda necessita fazer com a linguagem?
Através da linguagem a criança Surda deve cumprir uma série de tarefas:
  1. Comunicar-se com seus pais e familiares o mais cedo possível. Uma criança ouvinte, normalmente, adquire a língua nos primeiros anos de vida se está exposta a ela e pode percebê-la. O uso da língua é um meio importante para estabelecer e solidificar os vínculos sociais e pessoais entre a criança e seus pais. O que é uma realidade para a criança ouvinte deve ser também para a criança Surda. A criança Surda deve ser capaz de comunicar-se com os seus pais através de uma língua natural tão pronta e integralmente quanto possível. Através da linguagem ocorre grande parte do estabelecimento de vínculos afetivos entre a criança e seus pais.
  2. Desenvolver suas capacidades cognitivas durante a infância. Através da língua a criança desenvolve suas capacidades cognitivas, capacidades de importância crítica para seu desenvolvimento pessoal. Entre estas capacidades encontramos diferentes tipos de raciocínio, pensamento abstrato, memorização, etc. A ausência total de uma língua, a adoção de uma língua não natural ou o uso de uma língua que é pobremente percebida ou conhecida pode ter conseqüências negativas no desenvolvimento cognitivo da criança.
  3. Adquirir conhecimentos sobre o mundo. A criança adquirirá conhecimentos sobre a realidade exterior principalmente através do uso da língua. Comunicando-se com os seus pais, familiares e outras crianças ou adultos, a criança intercambiará e processará a informação sobre o mundo que a rodeia. Estes conhecimentos servirão como base para as atividades que ocorrerão na escola e facilitarão a compreensão da língua. Não existe uma verdadeira compreensão da língua sem o apoio de tais conhecimentos.
  4. Comunicar-se integralmente com o mundo circundante. A criança Surda, como a criança ouvinte, deve ser capaz de se comunicar de modo integral com todas aquelas pessoas que formam parte de sua vida (pais, irmãos, grupos de pares, professores, adultos, etc.). A comunicação deve proporcionar uma certa quantidade de informações numa língua apropriada para o interlocutor e a adequada ao contexto. Em alguns casos será a língua de sinais, em outros será a língua oral (em alguma de suas modalidades) e noutros serão ambas as línguas alternadamente.
  5. Pertencer culturalmente a dois mundos. Através do uso da língua a criança Surda deverá converter-se progressivamente em membro do mundo ouvinte e do mundo Surdo. Deverá identificar-se, ao menos em parte, com o mundo ouvinte que é quase sempre o mundo de seus pais e familiares (90% das crianças Surdas têm pais ouvintes). Mas a criança também deverá entrar em contato, logo que possível, com o mundo das pessoas Surdas, seu outro mundo. A criança deverá sentir-se cômoda em ambos os mundos e deverá ser capaz de identificar-se com cada um deles na medida do possível.
O bilingüismo é o único modo de satisfazer estas necessidades
O bilingüismo é o conhecimento e o uso regular de duas ou mais línguas. Um bilingüismo língua oral/língua de sinais é a única via através da qual a criança Surda poderá ser atendida nas suas necessidades, quer dizer, comunicar com os pais desde uma idade precoce, desenvolver suas capacidades cognitivas, adquirir conhecimentos sobre a realidade externa, comunicar-se plenamente com o mundo circundante e converter-se num membro do mundo Surdo e do mundo ouvinte.
Que tipo de bilingüismo?
O bilingüismo da criança Surda implica no uso da língua de sinais, usada pela comunidade Surda, e da língua oral usada pela maioria ouvinte. Esta última adquire-se na sua modalidade escrita e, quando possível, na sua modalidade falada. Em cada criança as duas línguas jogarão papéis diferentes: em algumas crianças predominará a língua de sinais, em outras predominará a língua oral e noutras haverá um certo equilíbrio entre ambas as línguas. Ainda, devido aos diferentes níveis de surdez e à complexa situação de contato entre ambas as línguas (quatro modalidades lingüísticas, dois sistemas de produção e dois de recepção, etc.) podemos encontrar diferentes tipos de bilingüismo, isto é, a maioria das crianças Surdas adquirirá níveis distintos de bilingüismo e “biculturalismo”2 . Nesse sentido não se diferenciam de metade da população mundial, aproximadamente, que convive com duas ou mais línguas (estima-se que há no mundo, atualmente, tantas pessoas – se não mais – bilíngües quanto monolíngües). Como outras crianças bilíngües, as crianças Surdas usarão ambas as línguas nas suas vidas cotidianas como membros integrantes de dois mundos, neste caso, o mundo ouvinte e o mundo Surdo.
Qual é o papel da língua de sinais?
A língua de sinais deve ser a primeira língua (ou uma das primeiras) adquirida pelas crianças com uma perda auditiva a partir de severa. A língua de sinais é uma língua natural, plenamente desenvolvida, que assegura uma comunicação completa e integral. Diferentemente da língua oral, a língua de sinais permite às crianças Surdas, em idade precoce, comunicar-se com os pais plenamente, desde que ambos adquiram-na rapidamente. A língua de sinais tem papel importante no desenvolvimento cognitivo e social da criança e permite a aquisição de conhecimentos sobre o mundo circundante. Permitirá à criança um desenvolvimento de sua identificação com o mundo Surdo (um dos dois mundos aos quais a criança pertence) logo que entre em contato com esse mundo. E mais, a língua de sinais facilitará a aquisição da língua oral, seja na modalidade escrita ou na modalidade falada. É sabido que uma primeira língua adquirida com normalidade, trate-se de uma língua oral ou uma língua de sinais, estimulará em grande medida a aquisição de uma segunda língua. Finalmente, o fato de ser capaz de utilizar a língua de sinais será uma garantia de que a criança maneja pelo menos uma língua. Apesar dos consideráveis esforços feitos por parte das crianças Surdas e dos profissionais que as rodeiam, e apesar do uso de suportes tecnológicos, o fato é que muitas crianças Surdas têm grandes dificuldades para perceber e produzir uma língua oral na sua modalidade falada. Esperar vários anos para alcançar um nível satisfatório que pode não ser alcançado, e negar durante esse tempo o acesso da criança Surda a uma língua que satisfaça as suas necessidades (a língua de sinais) é praticamente aceitar o risco de um atraso no seu desenvolvimento lingüístico, cognitivo, social ou pessoal.
Qual é o papel da língua oral?
Ser bilíngüe significa saber e utilizar duas ou mais línguas. A segunda língua das crianças Surdas será a língua oral usada pela comunidade ouvinte à qual também pertencem. Esta língua, na sua modalidade falada e/ou escrita, é a língua de seus pais, irmãos, parentes, futuros amigos, empregados, etc. Quando aqueles que convivem com a criança Surda não conhecem a língua de sinais é importante que a comunicação se faça, ainda que isto só possa ocorrer através da língua oral. Também a língua oral, principalmente na sua modalidade escrita, será um meio importante para a aquisição de conhecimentos. Grande quantidade do que aprendemos se transmite através da escrita, tanto em casa como na escola. Por isso, o êxito acadêmico da criança Surda e seus futuros sucessos profissionais dependerão, em grande parte, de um bom manejo da língua oral na sua modalidade escrita e, quando possível, na modalidade falada.
Conclusões
É nosso dever permitir à criança Surda a aquisição de duas línguas, a língua de sinais da comunidade Surda (como primeira língua se a sua perda auditiva é severa) e a língua oral da maioria ouvinte. Para isso, a criança deve ter contato com as duas comunidades lingüísticas e deve sentir a necessidade de aprender e usar ambas as línguas. Contar exclusivamente com uma língua, a língua oral, devido aos recentes avanços tecnológicos, é jogar com o futuro da criança Surda. É arriscar seu desenvolvimento cognitivo e pessoal e negar-lhe a possibilidade de se identificar culturalmente com os dois mundos aos quais pertence. Ter contato desde uma idade precoce com duas línguas oferecerá à criança muito mais recursos do que tendo apenas uma língua, qualquer que seja seu futuro e qualquer que seja o mundo em que escolherá viver (as vezes só num deles). Ninguém se arrepende de saber várias línguas mas sim quando sabe pouco, ainda mais quando o próprio desenvolvimento está em jogo. A criança Surda deveria ter o direito de crescer bilíngüe e é nossa responsabilidade ajudá-la nisso.
Do mesmo autor: Grosjean, F. (1982) Life with two languages: an introduction to Bilingualism. Cambridge, MA
: Harvard University Press. Grosjean, F. (1987) Bilingualism. In: Gallaudet Encyclopedia of Deaf People and Deafness. New York : McGraw-Hill.
Grosjean, F. (1992) The bilingual and the bicultural person in the hearing and in the deaf world. Sign Language Studies, 77, 307-320. Grosjean, F. (1993) La personne bilingue et biculturelle dans le monde des entendants et des sourds. Nouvelle pratiques sociales, 6(1), 69-82. Grosjean, F. (1993) Le bilinguisme et le biculturalisme: éssai de définition. TRANEL (Travaux neuchâtelois de linguistique), 19, 13-42.
Grosjean, F. (1994) Individual bilingualism. In: The Encyclopedia of Language and Linguistics. Oxford : Pergamon Press.
Grosjean, F. (1994) Sign bilingualism: issues. In: The Encyclopedia of Language and Linguistics. Oxford : Pergamon Press.
Grosjean, F. (1996) Living with two languages and two cultures. In: Parasnis, I. (Ed.) Cultural and Language Diversity: reflections on the Deaf experience. (p. 20-37) Cambridge : Cambridge University Press.

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