quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Texto Interativo sobre Filosofia

Texto Interativo sobre as Áreas da Filosofia
Marco Antonio Franciotti
Delamar José Volpato Dutra
 Depto. de Filosofia/UFSC

Introdução à Filosofia
O que é filosofia? À primeira vista, fazer filosofia parece uma coisa inútil. Ficar refletindo sobre conceitos abstratos como verdade, liberdade e justiça, entre outros, parece não nos levar a lugar algum, como naquele filme “Monty Python e o Sentido da Vida. Mas, de fato, Sócrates mostrou o quanto é importante fazermos perguntas sobre nossas ideias, principalmente sobre aquelas da qual temos plena certeza. Para ele, refletir sobre aquilo que acreditamos saber ajuda-nos a rever nossos argumentos, seja para reforçá-los, seja para descobrir neles alguma falha. Sem um exame constante de nossas opiniões, crenças e valores, podemos nos tornar dogmáticos, imaginando que nosso conhecimento das pessoas e do mundo está pronto e acabado. A maneira de realizar essa análise das ideias é o diálogo, uma sucessão de perguntas precisamente formuladas e respostas que levam a novas perguntas. É por isso que Sócrates afirmou: “uma vida sem reflexão não vale a pena ser vivida”. Assim, embora seja perfeitamente possível viver sem jamais indagar sobre os fundamentos das nossas crenças, quando o fazemos, nossa vida se transforma. É como no filme Sociedade dos Poetas Mortos, onde o professor interpretado por Robin Williams fala da importância de se estudar poesia: ao lidar com nossas emoções mais profundas, a poesia é aquilo que dá à nossa vida um sentido, uma razão para viver. Refletir sobre o que pensamos ser verdadeiro nos ensina a fazer o mesmo com a opinião dos outros: tornamo-nos mais cautelosos e menos propensos a acreditar imediatamente no que nos dizem e passamos a tomar nossas próprias decisões, sem depender do pensamento de mais ninguém. É por isso que, para Sócrates, a filosofia nos liberta: ao avaliarmos as opiniões em geral, tornamo-nos mais críticos e mais capazes de escolher, por nós mesmos, nossas crenças e valores.
Em consequência disso, desenvolvemos nossa capacidade crítica mais amplamente, o que nos permite distinguir as explicações do senso comum, geralmente baseadas em superstições, das explicações baseadas em fatos científicos. Um exemplo disso pode ser encontrado em várias nas seitas religiosas, que prometem salvação da alma e curas milagrosas mediante remuneração. As pessoas são geralmente levadas a procurar soluções para seus problemas sem uma crítica do discurso do líder religioso e das práticas utilizadas em seus rituais. Outro exemplo encontra-se nas crenças fundadas geralmente num conjunto de evidências mal interpretadas em que a desinformação nos leva a acreditar no oculto e no paranormal, ao invés de procurarmos explicações racionais muitas vezes compreendidas à luz da ciência.
Fazer filosofia significa refletir de uma determinada maneira sobre problemas, ideias e teorias. Cada tipo de problema é estudado por um ramo ou área da filosofia. Veja abaixo as principais áreas da Filosofia e os seus principais problemas.

Teoria do Conhecimento
A Teoria do Conhecimento estuda o alcance, as fontes e os limites do conhecimento humano. Ela tenta responder perguntas do tipo: como distinguir o conhecimento da simples opinião? O que podemos e o que não podemos conhecer? Quais são as fontes do conhecimento? Como podemos distinguir verdade e falsidade? Para responder a tais perguntas, é necessário considerar, entre outras coisas, a nossa capacidade de conhecer o mundo, ou se a nossa percepção corresponde aos fatos do mundo, tendo em vista que muitas vezes percebemos erroneamente. Questões como a relação entre a percepção e a realidade, ou sobre como podemos conhecer essa realidade, são essencialmente filosóficas. Assista este trecho do filme Matrix e reflita sobre a definição que Morpheus apresenta do que é real. Se você quiser saber mais sobre o assunto, leia os textos Epistemologia e Ceticismo.

Filosofia da Ciência
A Filosofia da Ciência estuda a validade e o fundamento das teorias sobre a natureza em geral, bem como os critérios que a distinguem das demais área do conhecimento, consideradas como não-científicas. O que é ciência e por que ela difere dos demais tipos de conhecimento humano? Quais são os critérios através dos quais a astronomia, por exemplo, é considerada ciência, mas a astrologia não? Qual a relação entre a ciência e o senso comum? Perguntas como essas levam-nos a refletir a natureza da ciência, assim como sobre a validade científica de uma teoria, levando-nos a perguntar se ela corresponde aos fatos que tenta explicar, ou mesmo se os fatos por ela tratados são caracterizados de forma coerente e verdadeira. Se pergunto quais as características da mecânica newtoniana, eu devo ler um livro, ou assistir uma aula de física. Mas se pergunto se a teoria de Newton é válida, a resposta não será encontrada no interior do conhecimento da física, ou pelo menos não completamente. Isso porque a reflexão sobre a validade de uma teoria normalmente exige que a gente se coloque fora dela, para poder analisá-la como um todo. Enquanto o físico procura enriquecer a sua teoria, fazendo experimentos e reforçando ou não as suas hipóteses, através de princípios, regras e leis científicas, o filósofo procura entender em que consiste um experimento, o que significa formular uma hipótese, em que sentido chamamos algo de lei científica, etc. Como essas perguntas também nos levam a indagar sobre a verdade ou não das proposições científicas, há uma grande proximidade entre as reflexões da teoria do conhecimento e da filosofia da ciência.

A pergunta sobre a validade do saber científico é fundamental para nossa concepção de mundo. Se admitirmos que a ciência é o único saber válido, como então devemos encarar as áreas do conhecimento humano tradicionalmente consideradas como não-científicas? Será que só a ciência pode descrever o mundo? Os positivistas do séc. XIX acreditavam que sim. Um conhecimento só era considerado válido se seguisse o modelo científico de explicação e predição dos fenômenos. Assim, Comte defendeu que as sociedades humanas também deveriam ser estudadas segundo o método hipotético-dedutivo utilizado na física criando, assim, a Sociologia. Mais tarde, no início do séc. XX, os positivistas lógicos defenderam a ideia de que proposições teóricas quaisquer só poderiam adquirir significado se, em última instância, pudessem ser reduzidas a proposições observacionais. Um dos primeiros críticos tanto do positivismo quanto do neo-positivismo lógico foi Popper. Para ele, essas correntes de pensamento esbarram em pelo menos 2 problemas insolúveis: a ideia de que o dado empírico é desprovido de expectativas teóricas; e o problema da indução. O cientista deve reconhecer o papel da teoria na apreensão dos fenômenos e, ao mesmo tempo, proceder falseando hipóteses e não procurando confirmá-las. Thomas Kuhn, por seu turno, procurou colocar em evidência o caráter histórico da ciência, principalmente em períodos de revolução científica, bem como o papel da comunidade científica no estabelecimento de conceitos teóricos centrais, como a verdade, a falsidade, a validade, e até mesmo a ciência. Finalmente, o golpe mortal no positivismo foi realizado por Paul Feyerabend: ao se elaborar teorias, há um único princípio a ser obedecido: “tudo vale”. Isso quer dizer que as elaborações chamadas científicas são tão válidas (ou inválidas) quanto qualquer outra elaboração teórica; não há uma hierarquia entre teorias explicativas do mundo em que a ciência se encontra no topo, como defendiam os positivistas.

Ética
O filme Matrix aborda a relação dos seres humanos com as máquinas, em especial com os computadores. Em meio à revolução tecnológica que estamos vivendo, pode-se muito bem perguntar o que é ser uma pessoa, ou o que é ser humano, levando em conta que em breve a ciência poderá produzir robôs com aparência humana que, a princípio, serão capazes de imitar as nossas ações. Assista o trecho do filme O Homem Bicentenário e reflita sobre os argumentos apresentados pelo juiz, com base nos quais o robô Andrew não pode ser considerado humano. Leia também o texto Filosofia, Linguagem e Mente. Alguns filósofos diriam que um robô como Andrew não pode ser considerado humano porque ele não é livre. Na verdade, um robô, como um computador, é programado para executar tarefas. Suas ações não são movidas pela sua própria vontade, mas sim pelos programas gravados em sua memória virtual. As ações humanas, contudo, ocorrem segundo a nossa vontade. Ao levantarmos um dos braços nós o fazemos porque queremos, ou porque escolhemos levantá-lo, e não porque uma força externa nos obriga a agir assim. Esse problema é abordado na filosofia de vários modos: em filosofia da religião, estuda-se a questão da predestinação: se Deus determina nossos passos, como podemos mesmo assim reconhecer que somos livres, ou que tomamos decisões independentemente de forças externas a nós mesmos? Na metafísica, estuda-se a relação entre a concepção de um universo governado por leis e a liberdade humana: se estamos inseridos num mundo governado por leis físicas e pelo princípio da causalidade, será que nossas ações também não poderiam ser pensadas como governadas por essas mesmas leis? Se assim for, não seria o caso de que forças externas a nós estariam determinando nossas ações, como se fôssemos marionetes, ou como se fôssemos o robô Andrew? Assista o trecho do filme Matrix Reloaded e reflita sobre essas questões. O arquiteto que desenvolveu o programa Matrix afirma que Neo nada mais é do que uma anomalia sistêmica que foi programada para estar exatamente ali, diante do seu criador. Neo então se dá conta de que talvez ele não tenha nenhuma escolha e que todas as suas ações já foram previstas e delineadas pelo arquiteto. Será que a nossa situação não é semelhante à de Neo? Que argumentos poderíamos elaborar para defender a ideia de que somos livres?

Intimamente relacionado à questão da liberdade encontra-se um conjunto de questões sobre a conduta humana, estudada especificamente na Ética. O que significa agir corretamente? Será que, ao respeitarmos as normas sociais do agir correto estamos ferindo o princípio da liberdade, isto é, estamos agindo de acordo com uma regra que não escolhemos seguir, mas que nos foi imposta pela sociedade? Como é possível conceber uma ação considerada moralmente correta e, ao mesmo tempo, manter o princípio de que somos livres? Todas essas questões dizem respeito à relação entre a moral e a liberdade. Uma das abordagens mais influentes no tocante a essa relação é a de Kant. Segundo ele, devemos agir em obediência ao imperativo categórico, isto é, segundo “uma máxima tal que possamos querer ao mesmo tempo que se torne uma lei universal” (Kant, E.: Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Rio de Janeiro: Ediouro, 1970, pgs. 70-79). Kant procurava se contrapor ao relativismo moral ou cultural, ou a uma concepção de moralidade que dependeria de cada situação ou contexto sócio, histórico e cultural. Kant pode ser visto como defendendo a ideia de que há padrões morais que são universais e a-históricos, válidos para todos os seres humanos em qualquer época, independentemente das especificidades culturais de cada grupo social. Para entendermos melhor a posição de Kant, tomemos como exemplo o nazismo. Considerando que o Partido de Hitler subiu ao poder através do voto democrático, a ideologia nazista pode ser considerada como amplamente aceita pela sociedade alemã da época. Ora, se o relativismo moral for válido, então teremos dificuldades em condenar moralmente os abusos cometidos na Alemanha de Hitler, de vez que as práticas nazistas deverão ser circunscritas à cultura local da sociedade alemã da década de 1930. Inspirados em Kant, podemos dizer que só é possível condenar o nazismo porque subscrevemos a padrões universais de conduta, válidos independentemente das peculiaridades da sociedade da época.

Filosofia Política
O estudo das ações moralmente corretas que caracteriza a Ética está intimamente relacionado a uma consideração sobre as interações dos indivíduos em sociedade. Em consequência disso, ao estudarmos Ética, também somos levados a lidar com questões acerca do tipo de organização social que pode não apenas estimular, mas também garantir, a harmonia entre os princípios éticos e o bem comum. A filosofia política é a parte da filosofia que estuda essa relação. Assim sendo, seus temas principais são a justiça, o governo, as leis, a propriedade, a legitimidade política e a democracia, entre outros.

Filosofia do Direito
 Direito e justiça
O que caracteriza a Filosofia do Direito é o estudo do direito sob o ponto de vista da justiça. Essa matriz própria da disciplina pode ser percebida já no início da Doutrina do direito de Kant. De fato, nos §A, B e C da introdução a essa obra, Kant distingue lei [Gesetz] de direito [Recht]. Assim, ele pode diferenciar uma doutrina do direito positivo - ou seja, uma doutrina do direito cuja preocupação é a lei [Gesetz, ius] no sentido da lei positiva, - de uma doutrina do direito que tem por objeto o direito justo [Recht, iustum]. O especialista da primeira [iurisconsultus] seria o conhecedor do que “dizem ou disseram as leis [Gesetz] em um certo lugar e em um certo tempo” (quid sit iuris). O especialista da segunda seria o filósofo, visto que este buscaria o fundamento [Grundlage], ou seja, “o critério universal com que se pode conhecer em geral tanto o justo quanto o injusto (iustum et iniustum)”.
Como se pode perceber, há uma relação entre ius e iustum que os termos latinos deixam perceber. Se pensarmos que ius, Gesetz, seja, para além do direito positivo, “o conjunto das leis para as quais é possível uma legislação externa”, então, pode-se inferir que a relação entre Gesetz/ius  e Recht/iustum, é de gênero e espécie. Kant, assim, salvaguarda tanto a possibilidade de leis positivas que possam não ser justas, quanto a possibilidade de leis justas que possam não estar positivadas ainda. Umas e outras serão sempre ius no sentido mencionado neste parágrafo; no entanto, o importante para a Filosofia é a espécie iustum, ou melhor, a busca de critérios universais para tal determinação.
Kant pensou encontrar o critério de justiça na universalidade da lei. Assim, segundo ele, “o direito [das Recht] é, pois, o conjunto das condições sob as quais o arbítrio de um pode ser reunido com o arbítrio do outro segundo uma lei universal da liberdade”, sendo “justa [recht] toda ação segundo a qual ou segundo cuja máxima a liberdade do arbítrio de cada um pode coexistir com a liberdade de qualquer um segundo uma lei universal, etc.”.
Direito e coerção
Kant tem clara, também, no início de seu texto, a conexão entre direito e coerção. Apesar de ter distinguido Recht de Gesetz, ou seja, iustum de ius, o uso do termo Recht guardará certa ambiguidade no texto kantiano, na medida em que o direito porta uma conexão necessária com a coerção. Tal ambiguidade se mostra no fato que a coerção pode estar ligada também a uma lei injusta [iniustum], sendo que Kant parece estar preocupado, no início da Doutrina do Direito, somente com a conexão entre coação e normas justas. Neste caso, um uso justo da coerção ocorre, nos termos do § D, quando ela impede um uso incorreto, injusto, da liberdade. Mas, ela poderia ser usada também para impedir um uso justo da liberdade. Pode-se pensar, por exemplo, que a coerção obrigava os servidores públicos do regime nazista a executar judeus. Ora, este é um uso da coerção que impede um uso da liberdade justa, ou seja, em acordo com uma lei universal.
Tal ambiguidade ocorre porque não há uma correspondência biunívoca entre a caracterização do direito como uma legislação externa e a caracterização do direito como iustum. Aquela caracterização pode incluir, não só normas injustas, ma também um uso injusto da coerção. Ou seja, na definição da externalidade da conduta jurídica Kant elimina toda característica própria da ação moral, ou seja, qualquer relação com a motivação moral, sendo possível a conduta ocorrer somente por motivos heterônomos. Isso é o que é dito no § E, onde ele deixa de pensar o direito – ou ao menos o direito puro - como um sistema “de obrigação pela lei/faculdade de coagir à obrigação” e passa a pensá-lo por fundamentos meramente externos, sem nenhuma mescla ética ou de virtude. Ele continua a sustentar que o direito se “fundamenta certamente na consciência da obrigação de cada qual segundo a lei” – o que seria o seu fundamento moral, conforme preceitua o § B –, no entanto, a determinação do arbítrio não deve e não pode recorrer a esta consciência, mas exclusivamente à coerção externa, portanto, para exemplificar, o credor não vai lembrar ao devedor que a sua própria razão o obriga ao pagamento, mas vai coagi-lo. Daí a sua conclusão: “direito e faculdade de coagir significam, portanto, a mesma coisa”. Tanto que o autor chega a afirmar que “não é tanto o conceito do direito, mas a coação geralmente igual e recíproca, concordante com ele e universalmente submetida a leis, que torna possível a exibição daquele conceito”.
Direito e aplicação
Nos dias atuais, a disciplina ainda continua caracterizada do modo como apresentado acima, ou ao menos de modo semelhante, no entanto, outros problemas foram acrescentados, como aquele da aplicação da lei. Não que tal problema já não houvesse sido mencionado por Kant. De fato, há uma referência a isso no texto Sobre o dito comum: isto pode ser correto na teoria, mas não serve para a prática, onde se lê que a faculdade do entendimento conteria a regra, ao que se teria que acrescentar “um ato da faculdade do juízo, mediante o qual o prático distingue se algo é ou não o caso da regra”. No entanto, ele já havia atentado para o problema presente neste ato, visto que “à faculdade do juízo não podem ser dadas sempre de novo regras segundo as quais ela tenha que se orientar na subsunção (porque isso iria até ao infinito)”. Um tal dificuldade já fizera Aristóteles pensar numa justiça de tipo especial, a equidade ou epiquéia, com uma função corretiva da lei.
Habermas, por exemplo, na esteira do kantismo, defende, nesse particular, que a validade da norma não garante por si só a justiça no caso singular, pois nenhuma regra poderia regular sua própria aplicação. O problemático é que tal posição pareceria implicar que uma norma seria definida pelo conjunto de suas aplicações, o que significaria que cada aplicação a novas situações mudaria continuamente a significação da própria norma. Exemplar desse tipo de problema pode ser visto nas decisões da Suprema Corte americana sobre a segregação racial. A 14ª. emenda à constituição americana afirmara a igualdade de todos perante a lei, no entanto, a Suprema Corte, na decisão em Plessy v. Fergunson, 1896, sacramentou a interpretação que a separação das pessoas por cor não feria a igualdade perante a lei, inclusive sob o argumento de que os que propuseram a 14a emenda achavam que a segregação racial não estava em desacordo com esta lei. Tal decisão deu origem à doutrina resumida no bordão "separados, mas iguais" [ver trechos do filme]. Já, em 1954 na decisão Brown v. Board of Education, a mesma corte reverteu tal decisão sob a justificativa de que a separação por si mesma feria a igualdade.
Em suma, o problema da aplicação das leis acaba sendo tão importante quanto aquele da justificação das leis sob o ponto de vista da justiça.

 Bioética
A bioética estuda temas que envolvem tanto a filosofia quanto a biologia, a medicina e a ciência aplicada em geral em suas relações com a vida humana. Mais exatamente, a bioética procura investigar os problemas que giram em torno da responsabilidade moral dos cientistas e de suas ações possíveis ao lidarem com o ser humano em geral. Nesse sentido, esse ramo da filosofia lida com questões do tipo: será que é moralmente correto interromper a vida de um paciente terminal (eutanásia)? Será que é moralmente correto interromper uma gestação (aborto)? O Estado deve interferir nas ações dos indivíduos quanto a essas questões, criando leis para coibir ou ratificar essas práticas?
Outras questões polêmicas na bioética estão associadas à engenharia genética: a eugenia. Será que é moralmente correto interferir geneticamente na espécie humana, para torná-la melhor e mais apta a enfrentar doenças e a resistir melhor às adversidades da natureza? Vários geneticistas contemporâneos afirmam que sim. No entanto, se pensarmos mais uma vez na ideologia nazista, veremos que a eugenia consistia numa estratégia crucial para consolidar a raça ariana em detrimento dos judeus, por exemplo. Intimamente relacionada a essa questão encontram-se os problemas dos transgênicos, ou da manipulação genética de um organismo mediante utilização de genes de outros organismos; da clonagem, ou o processo de criação de cópias geneticamente iguais de seres vivos por reprodução assexuada; e a pesquisa com células-tronco, pela qual células embrionárias ainda com características indefinidas mas com propriedades de se transformar em qualquer tecido do corpo humano são usadas para a obtenção de características específicas. Até onde podemos chegar com nossas pesquisas científicas em nome do aprimoramento da espécie humana?

Filosofia da Mente
 Nós seres humanos normalmente pensamos ser mais do que nosso corpo no espaço; nós postulamos uma alma ou espírito que anima esse corpo, ou que lhe dá vida e consciência, como no filme Ghosts. Já no Timeu de Platão encontramos uma referência a esse tema: “quando ele [Deus] estava construindo o universo, ele pôs inteligência na alma, e esta no corpo... A alma foi por ele criada antes e dotada de mais excelência do que o corpo, aquela para ser a senhora e este, o súdito”. Foi, contudo, a visão cartesiana da dualidade espírito/corpo que se tornou clássica na história da filosofia, exercendo influência até os nossos dias. Diferentemente de Platão, Descartes afirma que o ser humano não é um simples composto de espírito + corpo. “A Alma”, diz ele, “não está no corpo como um piloto num navio...” Isso quer dizer que a alma não é o conteúdo de um corpo vazio, como sugere Platão. Alma e corpo estão de tal modo misturados que chegam a compor um único todo (cf. Descartes, R.: Meditação VI, São Paulo: Ed. Abril, 1978, pg. 136). Apesar dessa aparente superação do dualismo, Descartes defende a imortalidade da alma, ou sua existência sem o corpo. Essa ambivalência deu origem a uma das mais importantes controvérsias da história da filosofia, a saber, o problema mente/corpo. Será que somos essencialmente espírito ou mente? Se formos, como o espírito se relaciona com o corpo? Qual a natureza do espírito?
Essas questões são estudadas pela filosofia da mente. Para Descartes, o espírito, ou a mente, é uma substância cujas propriedades são os pensamentos. Em Hume, contudo, a ideia de uma mente que entretém pensamentos é insustentável: tudo o que percebemos quando olhamos dentro de nós mesmos são pensamentos em sucessão; não há nenhuma entidade superior a eles. No entanto, ele também apresenta uma ambivalência em sua abordagem ao comparar a mente com um teatro, no palco do qual ocorrem pensamentos. Para Kant, a ideia cartesiana de uma mente substancial gera antinomias e deve ser evitada em nossas reflexões filosóficas. Só podemos pressupor logicamente uma operação de combinação originária do múltiplo das representações numa única consciência enquanto condição suprema da possibilidade do nosso conhecimento.
A discussão contemporânea sobre filosofia da mente gira em torno da natureza dos eventos mentais (se é que existem...) e da relação deles com os eventos físicos. Basicamente, a discussão está centrada em 2 grandes grupos: os dualistas e os monistas, apesar de haver tentativas de superar essa bifurcação, como o monismo anômalo de Davidson. Os monistas procuram elaborar uma concepção filosófica de acordo com a qual os únicos eventos existentes são físicos; os chamados eventos mentais ou não existem ou são redutíveis aos eventos físicos. Estes últimos que procuram explicar os eventos mentais como manifestações físicas, ou neuro-químicas, atuando no nosso cérebro e, a partir daí, no resto do nosso corpo. Tais filósofos são chamados de fisicalistas. Para eles, a dor, por exemplo, é apenas o resultado de descargas elétricas formando de sinapses neurais no cérebro, causadas por eventos externos ao nosso corpo. Sentimentos como amor e ódio também podem ser explicados como a ação (ou falta dela) de neurotransmissores em certas regiões cerebrais. Por isso, alguns deles descartam totalmente a ideia de eventos mentais, ou de uma mente no qual tais eventos ocorrem. A linguagem mentalista, dizem eles, não faz sentido. Outros, chamados de reducionistas, procuram dizer que a linguagem do mental, para ser significativa, deve em última instância ser redutível à linguagem dos eventos físicos.
Os fisicalistas em geral têm pelo menos duas grandes dificuldades a serem resolvidas:
a linguagem mentalista parece conter mais informação do que a linguagem dos eventos físicos. Dizer que “amor é um fogo que arde sem se ver”, como no famoso soneto de Camões, possui um significado bastante diferente de “o amor é um impulso elétrico entre neurônios numa região do nosso cérebro”.
Se os eventos mentais não passam de eventos físicos, então eles são governados pelas mesmas leis que governam a natureza. Disso se segue que não podemos nos conceber como seres livres. Quando desejamos, decidimos, imaginamos, na verdade, estamos simplesmente obedecendo a leis da natureza e não à nossa própria vontade.
Uma outra corrente contemporânea da filosofia da mente é o funcionalismo. Para seus adeptos, os eventos mentais não são físicos, mas funcionais. Um evento ou estado mental descreve a relação entre estímulos sensíveis, comportamentos e outros eventos ou estados mentais. Uma dor é funcional na medida em que estabelece uma relação causal entre estímulos, estados mentais, comportamentos e possíveis estados mentais futuros. Podemos definir, por exemplo, um gerador de maneira funcional dizendo que se trata de qualquer dispositivo que transforma um tipo de energia em outro. Desse modo, a dor não é mais vista como idêntica a uma descarga elétrica entre neurônios, mas sim como idêntica a um estado funcional. Assim, nosso cérebro é um sistema que executa certas atividades funcionais e, por conseguinte, produz aquilo que chamamos de “estados mentais”. Diferentemente dos fisicalistas, os funcionalistas irão apoiar-se na tese de que a mente não é propriamente o cérebro, mas sim, “aquilo que o cérebro faz”. De fato, a constituição interna de um sistema não é relevante para a determinação de sua funcionalidade. Outro tipo de sistema diferente do orgânico, como um computador, pode realizar as relações funcionais que chamamos de inteligência ou consciência. Os chamados eventos ou estados mentais seriam, então, funções passíveis de serem exercidas por sistemas outros que não o cérebro. Pensar seria somente desempenhar um conjunto de funções que usualmente chamamos de “comportamento inteligente”.
Alguns críticos do funcionalismo procuram explorar sua herança behaviorista, caracterizando-o como um tipo sofisticado de fisicalismo. Outros se detêm na ousada proposta de identificar inteligência humana com inteligência artifical. O que significa realmente dizer que as máquinas pensam ou podem pensar?

 Filosofia da Educação
 Há momentos em que nos perguntamos se um determinado método ou procedimento é o mais adequado para ensinar alguma coisa a alguém. Isso ocorre marcadamente com professores, mas não deixa de ocorrer com outros profissionais. Quando precisamos explicar alguma coisa, mesmo em situações não-profissionais, pensamos numa estratégia para sermos compreendidos. Isso nos leva a perguntar: “o que, na verdade, significa ensinar?”, ou “pra que ensinar?”, ou ainda, “que tipo de educação é a mais adequada para atingir tais e tais objetivos?” A filosofia da educação é exatamente a parte da filosofia que se ocupa de questões desse tipo. A partir de reflexões sobre escola, ensino e aprendizagem podemos avaliar a origem e o funcionamento dos conceitos com os quais elaboramos e aplicamos teorias pedagógicas. No livro A República, Platão apresenta suas concepções pedagógicas em estreita correlação com as grandes questões sobre a organização político-social de Atenas. Vale dizer que é nesse livro que se encontra a mais famosa de todas as alegorias da história da filosofia: o mito da caverna, em que Platão apresenta sua teoria das ideias, assim como o status do filósofo na sociedade ateniense. Muitos séculos mais tarde, Rousseau concebeu a educação também com vistas a uma mudança política de sua sociedade.

 Filosofia da Arte e Estética
 Por que às vezes reconhecemos um objeto como belo ou feio? Será que existe um modelo universal do Belo ao qual os objetos chamados belos correspondem? Ou será que beleza ou fealdade são dependentes de especificações subjetivas? Por exemplo, Platão defendeu a primeira alternativa, enquanto Kant optou pela segunda. Essas são algumas das principais questões da Filosofia da Arte. Mas em que medida a discussão do belo tem a ver com a arte? Ora, é no terreno da arte que os objetos são explicitamente classificados como belos, ou como expressões do belo. Muitos pensadores procuram distinguir a Filosofia da Arte da Estética: a primeira limitar-se-ia às reflexões do belo na arte, enquanto a segunda trataria do belo em objetos da natureza em geral.

www.portalfil.ufsc.br/interativo

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